terça-feira, 13 de abril de 2010

POLISSEMIA SEMÂNTICA

O fenômeno da ambigüidade semântica

Etimologicamente o termo ‘ambigüidade’ provém de duas palavras latinas: ambo e agere, indicando uma situação que nos remete simultaneamente para duas direções interpretativas distintas.
O professor Ilari (1997) assim se expressou em relação ao fenômeno da ambigüidade semântica:
(...) há interesse em reconhecer que começamos a pensar em ambigüidades semânticas toda vez que, diante de duas ou mais interpretações possíveis para um mesmo enunciado, nos colocamos, por assim dizer, numa perspectiva de dicionaristas e não de usuários, isto é, atribuímos as diferentes alternativas de interpretação que se abrem diante de nós às próprias expressões, não a seu uso ...
Como podemos perceber pela citação acima, a ambigüidade semântica se restringe a uma leitura nos limites do próprio texto, não o extrapolando.
Alguns fatores lingüísticos são apontados como responsáveis pelo fenômeno da ambigüidade. Ele ocorrerá quando:
- uma sentença aceita duas construções sintáticas diferentes;
- há diferentes correferências possíveis para o mesmo pronome;
- há casos de homonímia lexical;
- há dúvidas no emprego de uma expressão, saber se ela foi utilizada ou não como uma frase feita;
- ficamos incertos em considerar uma palavra em seu sentido denotativo ou conotativo.
Um texto diz respeito a qualquer passagem, seja ela falada ou escrita, e que seja um todo significativo, independente de sua extensão. Essa visão de texto serve de base para o estudo que procederemos, tendo as “frases” veiculadas pelas revistas Veja e ISTOÉ como material de análise. Tornou-se óbvio que o todo significativo desses “textos” (frases), para o leitor, só acontece juntamente com o contexto recuperado pela mídia, tendo em vista o leitor não se encontrar presente no momento da enunciação.
O texto escrito, pelo fato de não apresentar uma interação direta entre os envolvidos no processo comunicativo, traz algumas conseqüências apontadas por Charmeux (1997:66), das quais nos interessam duas, particularmente:
“A impossibilidade de utilizar o não-verbal” - Porém corpus em análise, a revista utiliza fotos para melhor contextualizar a “frase”, como exemplo:“Tenho diversos projetos na cabeça, mas as prioridades serão Kosovo e África.” Ronaldinho, jogador de futebol, ao ser nomeado embaixador Global da Boa Vontade da ONU. (Isto É - 09/02/2000) - Frase acompanhada de uma foto do Ronaldinho, autor da frase.
“A ausência de evidências em comum, e a impossibilidade de recorrer a feedback”, por isso é necessário que o texto escrito explore seu caráter de explicitude, ser muito preciso e tentar evitar, ao máximo, a ambigüidade. Os indícios podem até ser redundantes. Neste tipo de material que estamos analisando, a ambigüidade é desfeita, principalmente, no contexto situacional recuperado pelo editor, exemplo: “Depois que fui deflorado perderam o interesse em mim.” Bill Clinton, presidente americano, comentando sua viagem à Índia, onde teve de se livrar de uma guirlanda, porque um bando de macacos o atacou para comer as flores. (Veja, 05/04/2000). Há ambigüidade na leitura: fui deflorado (perdeu a virgindade). É claro que o leitor atento iria remeter aos incidentes de assédio sexual em que o presidente se envolveu há um tempo atrás. Mas, o contexto resolve esta questão: guirlanda/flores e macacos, são as palavras chaves para desfazer a ambigüidade.
O próprio uso da língua permite ou autoriza a polissemia ou pode conduzir ao mal entendido, gerado por uma ambigüidade sintática ou lexical, porém tendo como pano de fundo a intencionalidade do autor.
Análise do fenômeno da ambigüidade
Exemplos:

1.“O setor agrícola passou por momentos difíceis. Ele se viu obrigado a buscar ajuda.” Assessor do deputado Odilo Balbinotti explicando por que o seu chefe (dono de fazendas no Paraná em Mato Grosso do Sul) foi o parlamentar que mais faltou na câmera no ano passado. (Isto É, 23/02/2000)
Fica subentendido pela leitura da ‘frase’ que o ‘ele’a que se refere o assessor é responsável pelo setor agrícola do país, porém quando lemos o contexto e, especificamente, a opinião do editor exposta dentro dos parênteses, conseguimos fazer a leitura do que realmente deveria constar na ‘frase’. Observamos que a construção sintática e a escolha lexical do assessor conduziram a uma leitura diferente da proposta pelo editor. Só o conhecimento de mundo, o conhecimento do social e da política nos ajuda a interpretação aceitável, aspectos esses ressaltados pelo editor.

2.“Garotinho não sabe administrar coisa grande.” Luís Inácio Lula da Silva, candidato eterno à Presidência pelo PT, questionando a capacidade do governador do Rio para ocupar o lugar de FHC.(Veja -05/04/2000)
A leitura da “frase” sem o contexto é interessante, tendo em vista a utilização do sobrenome Garotinho, e não o nome inicial Anthony- Gente pequena não sabe administrar coisas grandes! O contexto desempenhou o papel de orientar a leitura, evitando-se a ambigüidade.

3. “Se você deixa que te passem a mão uma vez, vai ter de deixar sempre.” Marília Gabriela, entrevistadora de TV, sobre sua saída do SBT. (Veja, 05/04/2000)
A questão da ambigüidade, no exemplo acima, para ser resolvida, depende do leitor decidir se considera a expressão ‘passem a mão’ como uma expressão feita ou não. Então o editor, em seu processo de contextualização, orienta o leitor para apenas uma leitura, ou seja, a expressão deve ser tomada em seu sentido conotativo.

4. “Por favor, Malan, fale em português.” Fernando Henrique Cardoso, presidente da República, ao dar a palavra ao ministro da Fazenda Pedro Malan, no jantar com senadores no Palácio da Alvorada. (Veja, 26/01/2000)

5. ‘Não vamos deixar a peteca cair.’ Pedro Malan, ministro da Fazenda, garantindo que o governo FHC vai governar até o último dia de olho na estabilidade da economia. (Veja, 04/07/2001)
No exemplo 4, o pedido de FHC a Malan deve ser considerado em seu aspecto literal ou não? Como usuário da língua temos conhecimento dessa expressão (‘fale em português’) como devendo ter a seguinte leitura: o falante deve utilizar-se de uma linguagem de fácil acesso, o que fica subentendido que o ministro da Fazenda apresenta em seu discurso uma linguagem rebuscada. E como nosso conhecimento de mundo nos diz que o evento comunicativo ocorreu aqui no Brasil, confirma-se mais uma vez a leitura de a expressão não deve ser tomada literalmente. Uma outra expressão feita ‘não deixar a peteca cair’ foi utilizada no exemplo 5: “não vamos deixar a peteca cair.”, quem nos garante esse uso é a referência que temos na contextualização do editor, ‘a peteca’ corresponde a ‘estabilidade econômica’.

6. “Aqui no Rio, nem malandro está livre de rasteira.” Bezerra Silva, sambista, ao saber que o cachê de 12.000 reais para cada show que faria pela Riotur no carnaval havia caído par mil. (Veja 01/03/2000)

7.Fui ferrado pelos brancos.” Mário Juruna, líder Xavante e ex-deputado federal, queixando-se de abandono depois que encerrou seu mandato. (Veja, 01/03/2000).

8. ‘Ele só me dá pepino.” ‘Rosinha Matheus, mulher do governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, sobre o fato de seu marido ter-lhe entregue a Secretaria de Ação Social. (Isto É, 26/04/2000)
9. “Sova levou o Quércia, que ficou atrás do Enéas.” Michel Temer, deputado federal (PMDB-SP), respondendo ao ex-governador Orestes Quércia, que criticou sua candidatura à presidência do partido. (Veja 15/08/2001)
Nos casos acima, o leitor precisa decidir se faz a leitura das ‘frases’/textos empregando as palavras ‘rasteira’, ‘ferrado’, ‘pepino’, ‘sova’ denotativamente ou conotativamente. Através do contexto recuperado pela mídia, ele se orienta para a leitura conotativa das palavras, desfazendo a ambigüidade.

10. “Depois que fui deflorado perderam o interesse em mim.” Bill Clinton, presidente americano, comentando sua viagem à Índia, onde teve de se livrar de uma guirlanda, porque um bando de macacos o atacou para comer as flores. (Veja, 05/04/2000).
O exemplo 10 retrata uma textualização e contextualização sob o ponto de vista do editor, pois, talvez o que foi dito pelo presidente americano, em inglês, não tivesse o mesmo efeito de ambigüidade naquela língua, assim o editor explora para nós, falantes, da língua portuguesa, a ambigüidade do termo ‘deflorado’ a fim de fazer referência ao caso de assédio sexual em que Clinton se envolveu. Nesse exemplo, não era o sentido conotativo que deveríamos seguir como pista para a leitura, mas o sentido denotativo da palavra ‘deflorado’.

11. ‘Tudo o que a mamãe tem de bom, peguei.” Rogéria, travesti (Isto É, 21/07/2001).
Só o contexto do editor indicando o locutor e sua opção sexual orienta o leitor para efetuar uma leitura condizente com a interpretação sugerida por Rogéria. Não foram bens materiais que Rogéria pegou de sua mãe, porém sua feminilidade.

12.“Faça como a Seleção. Leve Gol.” Anúncio de uma concessionária Volkswagen do Rio. (Veja, 08/08/2001)
A ambigüidade, neste anúncio utilizado em forma de ‘frase’, traz um caráter irônico, já que nenhuma Seleção gostaria de levar gol, porém é o que a nossa está levando em suas últimas atuações. Assim, a Seleção pode levar gol, contudo os leitores do anúncio deveriam escolher levar Gol (carro). Explora-se, no exemplo, a polissemia do termo ‘gol’.