domingo, 22 de maio de 2011

A LADEIRA E A ÁRVORE


A ladeira e a árvore

A ladeira era muito íngreme. Ele resfolegava após um conjunto de passos. Parava a cada dúzia de metros e se lembrava dos anos de menino. Como era grande para ele, agora! Agigantava-se, todavia, com serena altivez. Os passos antes lépidos e desafiadores daquele íngreme pico diariamente conquistado foram trocados por outros, prudentes, seguidos de excitada aceleração no coração. Lá em cima, dissipava-se o cansaço, substituído pelo prazer de um afago no tronco daquela árvore caprichosamente ali nascida. No meio da rua.
Por longos momentos ficava parado, olhando sua rua. A imagem aterradora das aulas de direção, com suas tensas trocas de marcha na subida interminável, dissipava-se, tornando a visão do passado um remansoso prazer. Gostava de ficar ali naquela espaçada área de contemplação e achego. Lá em cima, aquele acidente geográfico era sua cidadela contra os ataques da cidade grande. Abrigara sua inocência e agora reconfortava suas lembranças duramente curtidas por um corpo enrijecido pelo tempo.

Aquela árvore parecia vergar-se para o aconchego de seu corpo. Algo como um gozo, que umedecesse o tronco generoso e aflorasse os galhos de onde despencavam gotas adocicadas. O cheiro era de carmim. Majestosa, exalava sua sensualidade, mesmo no outono, a cruel estação que expunha com crueldade sua nudez. A nudez de alguém entrado em anos, muitos anos. O verão, cruento, não vencia sua altivez. Ali, exposta, resistia com invencível bravura `as intempéries do calor ou da chuva.

Ele não a decepcionava, acariciando seu tronco, soprando a poeira e fuligem de suas folhas, separando o lixo que a insensibilidade moral dos vizinhos insistia em depositar a seus pés. Foram anos e anos. Recostava-se nela, de frente, sua visão decrépita se alongava para a ladeira, agora sob a escura folhagem das árvores que a ladeavam com exuberantes copas.

A relação de amor dos dois, com o tempo ,tramou insondáveis desejos, como arrancar a árvore para um passeio pela ladeira. E tal se deu, escorregando pelas pedras úmidas e agarradas ao tronco forte e vigoroso que ainda vicejava e esparramava sua gosma. À surrealista cena não desapontou a natureza das coisas ao acolher a ladeira, em seu útero, por entre suas pedras, os pequeninos grãos caídos da árvore, enraizados, protegidos pelos galhos que maternalmente se fechavam, um a um, em harmônica coreografia, enquanto a árvore, agora deitada, dormia, embalada no choro daquele homem.

Roberto Couto é bacharel em Direito, carioca da gema, um dos maiores conhecedores do Leblon, figura querida entre seus moradores. Fora dos tribunais, é praticante do sapateado e reconhecido pelos bambas como exímio executor do tamborim. Na arte de escrever, colabora com artigos sobre sua profissão no “Jornal do Commércio” do Rio de Janeiro. Seus contos e crônicas têm sido mantidos guardados, talvez nas caixinhas chinesas. Agora, vem à luz um novo desses trabalhos de rara beleza.